O
PS e o Bloco de Esquerda querem criar uma espécie de crédito de juros
que possa ser abatido na prestação da casa quando a Euribor regressar a
valores positivos. Mas o que é que está em causa?
O
PS e o Bloco de Esquerda querem criar uma espécie de crédito de juros
que possa ser abatido na prestação da casa quando a Euribor regressar a
valores positivos. Mas o que é que está em causa?
O que é a Euribor?
As taxas Euribor são
taxas interbancárias, isto é, são as taxas que os bancos têm como
referência para emprestarem dinheiro entre si. São fixadas todos os dias
em resultado da média das taxas de juro praticadas em empréstimos
interbancários em euros pelos principais bancos europeus.
É com base nestas taxas que os bancos fazem contratos de créditos à habitação.
Além do spread (a margem comercial do banco), cada contrato de
empréstimo para compra de casa tem associada uma taxa Euribor a três
meses ou seis meses.
Atualmente,
a Euribor a três meses está nos -0,329% e a Euribor a seis meses
negoceia nos -0,273%. Tão cedo estas voltarão a negociar com valores
positivos, segundo as estimativas do mercado.
Por que razão estas taxas estão em terreno negativo?
A culpa é do Banco Central Europeu (BCE), que desde há algum tempo que mantém a taxa de depósitos em
-0,4% (desde março de 2016, mais precisamente). O banco central usa
esta taxa de depósitos para remunerar ou onerar o dinheiro que os bancos
comerciais da Zona Euro deixam nos seus cofres.
Foi
em junho de 2014 que o banco central colocou esta taxa com valores
negativos com a expectativa de “obrigar” os bancos comerciais a
emprestarem mais dinheiro às empresas e famílias. Assim, do lado dos
bancos, sabendo que ficariam a perder se deixaram dinheiro parqueado no
BCE, uma melhor opção seria mesmo disponibilizar essa liquidez junto da
economia.
Qual o impacto nos contratos do crédito à habitação?
A taxa de juro que
se paga ao banco por um empréstimo para compra de casa tem duas
componentes: um spread que é variável em função do risco do cliente (e
que representa a margem comercial do banco), ao qual se soma a taxa de
referência do mercado, a Euribor (a mais usada no crédito à habitação é a
seis meses, embora atualmente só se comercialize a 12 meses).
Assim,
num cenário de descida da Euribor como o dos últimos anos, os contratos
de crédito à habitação com taxa variável beneficiaram de uma redução
das prestações que se paga todos os meses ao banco. Só que a descida das
Euribor foi tão acentuada que caiu para valores negativos e impôs-se a
questão: devem os bancos “pagar” parte do empréstimo por causa disso?
O que recomenda o Banco de Portugal?
Numa fase inicial, o Banco de Portugal disse
que sim: os bancos devem amortizar capital nos empréstimos à habitação
sempre a Euribor em valores negativos assim o exigir. Numa carta circular emitida em março de 2015,
o banco central dizia o seguinte: “Não podem ser introduzidos limites à
variação do indexante que impeçam a plena produção dos efeitos
decorrentes da aplicação desta regra legal”.
Beneficiariam,
assim, os clientes cujo contrato de crédito era de taxa variável,
conseguindo um desconto no spread. Mas para quem tinha spreads muito
baixos, esse desconto não foi aplicado na totalidade. O regulador acabou
por aceitar a interpretação dos bancos, que apenas abateram (e estão a
abater) o valor negativo da Euribor ao spread, impondo uma taxa de juro
zero como mínimo exigido no contrato. Ou seja, os bancos nunca podem
pagar parte dos empréstimos mesmo que as taxas negativas da Euribor mais
do que anulasse o spread.
Quando
esta questão se colocou, a Associação Portuguesa de Bancos (APB) desde
logo se manifestou contra a aplicação do valor negativo da Euribor na
taxa final, dizendo que a Euribor deveria assumir o valor de zero, o que
permitiria aos bancos continuar a cobrar o valor do spread. Como
argumento, a APB sublinhava que a concessão de crédito é feita através
do que se denomina por “contrato de mútuo oneroso”, o que pressupões o
pagamento de juros do cliente bancário.
O que propõem PS e Bloco?
Há
pouco mais de dois anos, o Bloco de Esquerda (e o PCP) lançou a
proposta para obrigar os bancos a refletirem integralmente as Euribor
negativas nos contratos. Passado este tempo, a ideia legislativa vai
sair agora da gaveta com o acordo entre PS e Bloco, que pretende adiar o
impacto das Euribor negativas nos bancos para quando estas taxas
entrarem em valores positivos.
Na prática, pretende-se criar uma espécie de crédito de juros que
possa ser abatido nas prestações da casa quando os juros subirem,
evitando que os bancos paguem agora uma pequena parte dos empréstimos. O
acordo entre os dois partidos foi anunciado esta quinta-feira. Segundo
João Galamba, os dois partidos alcançaram “uma solução equilibrada,
simultaneamente preservando a estabilidade da banca em matéria de rácios
de solvabilidade e a salvaguarda dos direitos dos clientes”.
“Esta
solução não expõe os bancos a uma perda imediata, mas garante que,
quando os juros subirem — e os bancos já tiverem um juro positivo a
cobrar –, o crédito anteriormente constituído abate a esse juro”,
argumento ainda o porta-voz dos socialistas.
Não
se sabe exatamente quantos clientes podem beneficiar com esta borla,
mas estima-se que não haja muitos contratos para compra de casa com
spreads inferiores a 0,3% — e que poderiam mais facilmente tirar partido
destes “créditos” de juros.
Ainda assim, os bancos estão contra. “A
aprovação de uma tal medida seria manifestamente incoerente e
desequilibrada, e excessivamente restritiva da liberdade de iniciativa
económica privada, e conforme afirmado pelo Banco de Portugal, numa
audição no Parlamento em abril de 2016, poderia ter custos irreversíveis
a médio e longo prazos para o setor”, afirma o presidente da APB,
Fernando Faria de Oliveira.
E lá fora?
Outro
exemplo veio da Áustria, onde o Supremo Tribunal determinou que a
limitação da taxa a zero seria contrária à lei, porque criaria uma
desequilíbrio entre as partes do contrato: fixava-se uma taxa de juro
mínima, mas não um máximo — um argumento que também fio usado em
Portugal.
Há novidades com as novas regras para a banca?
A
nova diretiva dos mercados financeiros (DMIF II) vem trazer maior
clareza quanto às características do contrato que cliente e banco
assinam no crédito para compra de habitação.
Como a advogada Catarina Monteiro Pires teve oportunidade de esclarecer aqui no ECO:
“Na parte II do anexo deste diploma são descritas as instruções de
preenchimento da Ficha de Informação Normalizada Europeia e, nesta
sedes, refere-se que a secção 3, relativa às principais características
do empréstimo, “deve especificar se a taxa nominal é fixa ou variável e,
se aplicável, o período ou períodos durante os quais permanecerá fixa a
periodicidade das revisões subsequentes e a existência de limites à variação da TAN, tais como os limites máximos ou mínimos“.
Fonte: Eco